curadoria editorial textos

V Prêmio Aliança Francesa de Arte Conteporânea

Rafael Muniz. Imagem: Fabio Alt.

Tempo Presente

A quinta edição do Prêmio Aliança Francesa de Arte Contemporânea reúne dez artistas, selecionados entre mais de 100 candidatos. Suas produções foram escolhidas por um júri que, entre outros critérios, considerou também a consonância das obras com o momento presente. São temas pertinentes ao tempo em que vivemos, sobretudo no que diz respeito à crise política, ambiental, social e cultural, aguçada por uma pandemia que ainda não demonstra seu fim. 

À curadoria coube o ofício de olhar para esse conjunto de trabalhos e distribuí-los no espaço expositivo, de forma a provocar relações e diálogos. Dessa forma, propõe-se um percurso pontuado por três eixos centrais – história, tempo e corpo –, que ressoam e se desdobram de diferentes formas nas obras expostas. 

O Brasil colônia, a Ditadura Militar e o Brasil atual estão presentes na primeira sala da exposição. As obras de Rafael Muniz, com suas macumbas decoloniais, misturam diferentes elementos, criando um jogo para desconstruir as narrativas oficiais. O artista evoca a umbanda e o candomblé como recurso para pensar as histórias e as culturas marginalizadas. Manoela Cavalinho apresenta Esqueleto no guarda-roupa, instalação que convoca os fantasmas da ditadura a partir de uma memória de infância sobre a atuação de seu pai no Palácio da Polícia, local que fez muitas vítimas da repressão. Já na instalação-performance de Jessica Porciúncula, Berço esplêndido, a artista, mulher negra e indígena, se deita sobre uma bandeira do Brasil construída sobre um tapume com esponjas – verde e amarelo –, e pregos. O passado e o presente do país são também referenciados em outra obra da artista, Na Era venenosa, logo na entrada da mostra.

Passado, presente e futuro também aparecem na poética de Estévão da Fontoura, embora de forma conceitual. Seu vídeo Nove segundos, é parte de sua pesquisa sobre o tempo. Em um contexto como o que vivemos, de um porvir sequestrado e cancelado, o único futuro que podemos prever são os segundos seguintes. Estes estão ao nosso alcance e nos servem de algo. Sua obra coloca o espectador dentro desse looping que é pensar o tempo e a sua passagem. Já em Cortes, dobras e sombras, a obra é o seu próprio título. Um trabalho delicado, feito em papel, que no contexto da exposição, arrisco lê-la como uma ação metafórica dos cortes.

Em seguida, no espaço dos arcos, Oendu de Mendonça apresenta a instalação Re-existência, fruto de sua pesquisa sobre a luta indígena pela retomada de terras ancestrais e a demarcação dos territórios – história marcada por dor e luto, por um genocídio consciente de governos irresponsáveis. Apenas de 2009 a 2019, 2074 indígenas foram assassinados em conflitos por terra. Através da construção de um canteiro agroecológico, com mudas de alimentos tradicionais guaranis, a artiste homenageia estes mortos, símbolos de resistência, para que possam germinar e alimentar novas vidas. Na parede externa, Pamela Zorn traz, em seu painel de pinturas feitas sobre telas reaproveitadas, outra questão urgente: a identidade racial. Filha de uma relação inter-racial, a artista parte de autorretratos quando bebê para discutir autorrepresentação, racismo e memória, pontuados por frases, pensamentos, palavras e excertos de livros que evocam a luta diária pelo corpo negro. Palavras e figuras se misturam, se sobrepõem, velam e desvelam camadas. 

A relação com o corpo e a imagem também estão presentes nas produções de Natalia Schul e Marina Rombaldi. Em Corpo-cor encarnado e Lençol Gigante, Marina propõe pensar a cidade a partir do corpo e o corpo a partir da relação com a cidade. Que corpos são esses que circulam e vivem nas ruas – e que vimos crescer imensamente durante os últimos tempos? A obra aponta para as estruturas políticas que negligenciam muitos daqueles que formam a urbe. A artista explora, a partir de fotoperformances, como habitar esses espaços. O corpo também é central nas obras de Natalia Schul, mas com outro enfoque. A sequência fotográfica O ato de olhar, é uma fotoperformance que reflete sobre os diferentes ângulos da imagem, através de um jogo com espelhos. Aquilo que a artista vê nem sempre é o mesmo que a câmera captura e que, por sua vez, nós espectadores vemos. Em uma sociedade inundada por imagens, podemos pensar aqui nas distorções daquilo que nos é mostrado nas redes sociais. No vídeo Queda Somática 09, o ato de cair é explorado e repetido em looping. Um exercício para que se aprenda através da repetição. No contexto da exposição, proponho, tal qual a leitura da obra de Estevão, uma leitura metafórica: um exercício de aprender a cair, como constantemente sentimos acontecer no tempo presente. Aprender a cair para se recompor. Aprender a cair para continuar. 

Um último eixo reúne as obras de Mariani Pessoa e Carlos Donaduzzi, cujas poéticas se debruçam sobre relacionamentos e a presença das telas e dos meios eletrônicos em nossas vidas. As obras de Mariani colocam em jogo o ato mais ousado da comunicação virtual: se lançar em um chat virtual com uma personagem falsa, como em Robert, ou oferecer o seu próprio número de celular em Tele-gatinha, através de um bordado kitsch e brilhoso. Como contraponto, as obras de Donaduzzi puxam para um momento de maior introspecção e solidão. Feitas durante um dos períodos de maior rigor no distanciamento social, suas fotografias de cores baixas e cenários assépticos, com uma luz difusa e um plano frontal, demonstram que apesar da hiperconexão, a solidão se faz presente. Tem algo que as telas, as redes sociais, os aparelhos eletrônicos não dão conta de preencher. E que bom que seja assim, afinal, aprendemos, mais do que nunca, do quanto precisamos estar juntos, fisicamente. 

A militância do presente e as vozes que não serão mais caladas é que construirão o tempo vindouro. Passado e presente se misturam nas obras dessa exposição nos provocando a pensar o futuro a partir da arte. Que as novas gerações de artistas possam seguir colocando em pauta temas que nos são caros. 

verão, 2022 

Arte contemporânea Bienal do Mercosul Coordenação editorial cultura desenho Diambe Elena Landinez exposição Fernanda Gassen fotografia futuro Gustavo Assarian Instituto Ling Ling Apresenta Maria Andrade mariane rotter pintura Revista Amarello Talita Hoffmann texto crítico