Anotações soltas: enquanto vejo o Bruno trabalhar
4 de abril – Primeiro dia
Chego ao Instituto Ling às 15:30. Bruno está trabalhando desde cedo. As primeiras
camadas do desenho já são visíveis. Grafite, carvão, pastel oleoso. Tons de preto e
cinza, laranja, amarelo e verde sobre a parede branca. Identifico alguns elementos que Bruno vê ao redor, agora planificados, ocupando o plano bidimensional. Bruno me conta que os primeiros traços foram os mais difíceis. Seis metros de parede branca… Penso na folha diante de mim antes de começar um texto – muito maior. Ele risca, vai para trás, olha, volta, risca, muda, aumenta, apaga. Bruno desenha sem um plano pré-estabelecido. Desenhar é um ato de observar.
6 de abril – Terceiro dia
Não pude vir ontem. Hoje me sento em uma mesa mais distante, para não atrapalhar. O desenho ganhou mais cor e corpo. Novas camadas apareceram. No lado direito, Bruno sobrepôs alguns papeis artesanais, que ele mesmo fez. Ele me contou que são papeis feitos em casa, a partir de outros papeis que um dia foram desenhos. Desenhos que vão no liquidificador e voltam para a parede para construir novos desenhos. Surgiu uma figura humana, a única. Uma mulher sentada, vista de cima. Fico pensando em como se dão essas decisões, qual traço invade a área do outro, o que vai sobre o quê? E como?
7 de abril – Quarto dia
Dou um pulo rápido. Bruno moveu a sua mesa de trabalho de lugar, assim dá para
enxergar melhor o lado esquerdo do desenho, ver o que falta, pensar sobre o
equilíbrio do todo. As bolinhas se alastraram. A vegetação também, folhas e plantas vão povoando partes da parede. “Alugo direto com…”, um símbolo de Whatsapp, um novo elemento. Procuro no entorno aquilo que Bruno vê durante o seu tempo no espaço e que, na obra, se torna traço. Bruno trabalha em cima das frotagens que fez na escada externa do Instituto. Me conta que achou que elas ficaram um pouco pesadas, está tentando resolver… Ele experimenta cortar com o estilete e desenhar subtraindo partes, devolvendo o branco da parede em recortes que formam desenhos.
8 de abril – Quinto e último dia
Na última tarde, me dou conta que Bruno é canhoto. Não tinha percebido isso antes – isso não tem nenhuma importância, mas me faz pensar sobre o corpo e o gesto, sobre a minha inábil mão esquerda. Lembro de uma conversa do primeiro dia, quando Bruno me disse que ficou com o rosto todo preto de trabalhar em umas manchas pretíssimas, feitas com carvão. Agora, nas últimas horas de desenho, observo novamente o corpo do artista em ação. O corpo participa. É delicada a forma como Bruno se mexe no espaço. Ele vai de um lado para o outro, de uma forma para outra. Um pequeno detalhe, um risco, um rasgo. Um ajuste aqui, outro ali. Se distancia, contempla, volta, risca. Conversamos sobre como saber se o desenho está pronto. Bruno me conta que não sabe, que geralmente, quando desenha sobre papel, no seu ateliê, ele retira o desenho da parede, move para um novo lugar, como a sala, por exemplo, para ver se ele se sustenta em si. Aqui, isso é impossível. Uma hora vai ser preciso parar.