Uma a cada dez
A produção atual de Fernanda Gassen é fortemente marcada pelas relações entre arte e política. A intervenção criada especialmente para a parede do Instituto Ling é, em um primeiro momento, um desenho abstrato, uma grade retangular que dialoga com a tradição de trabalhos minimalistas e conceituais dos anos 1960 e 1970. A leveza do traçado e a transparência da aquarela criam uma trama geométrica que pulsa com ritmo. Porém, por trás desse resultado poético e sensível, jaz uma segunda camada que modifica para sempre nosso olhar e nossa relação com o desenho.
Há, sobre a parede, 1.440 retângulos. Cada um deles representa o tempo de um minuto; portanto, estamos diante de uma marcação do tempo. São 24 horas, um dia. A cada dez minutos, um bloco de cor azul; a cada sete horas, um bloco de cor laranja.
Isto é o que nos informa a obra de Fernanda: no Brasil, a cada dez minutos, uma mulher é estuprada. Destas, 53% são meninas menores de 13 anos – os retângulos azul-claros. As outras 47% são mulheres a partir de 13 anos – os blocos em azul mais escuro. A cada sete horas, uma mulher é morta – os retângulos laranja. Esses dados são de um levantamento realizado em 2021 pelo Fórum de Segurança Pública.
Em posse dessas informações, o trabalho transforma-se em texto, em infográfico, no qual lemos as terríveis estatísticas de um país que segue falhando em proteger suas mulheres. Munidos desses dados, fica impossível olhar para a parede como antes.