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Um olhar singular

As fotografias de Mariane Rotter atraem nosso olhar, em um primeiro momento, por sua simplicidade. São snapshots, imagens tomadas de forma rápida (mas não sem método), em banheiros. Alguns simples, outros mais sofisticados, alguns precários. Um espaço familiar que frequentamos diariamente.

Temos diante de nós uma coleção de tipos de pia, de torneiras, de revestimentos; diferentes cores, pinturas e objetos decorativos; alguns têm balcão, outros não; as vezes vemos o sabonete e o papel, ou a toalha, para secar as mãos. Há também o espelho, e é aqui que tudo muda.

Seriam apenas banheiros, não fosse o espelho. Nele, vemos, por vezes, parte da artista refletida. Aqui entra o método: Mariane se posta alguns passos diante da pia, de frente, com o celular na mão, lente na altura dos olhos e registra. Repete esse protocolo há 20 anos, quando deu início à série Meu ponto de vista (que pode ser visitada no Instagram @meupontovista) com um registro do banheiro da sua própria casa.

Não é à toa que a artista nos mostra esses espaços, onde, por alguma convenção social, quase sempre há um espelho. Seu interesse não é apenas fazer um registro simples, rápido, desse lugar enquanto lugar de passagem – e, por que não, de intimidade, afinal, na maioria das vezes, vamos ao banheiro sozinhos. A chave de leitura dada pelo reflexo coloca ao espectador um dado importante: a artista. Quem é essa que fotografa? Por que ela quase nunca aparece nos espelhos, apesar do plano frontal de suas imagens?

Mariane é uma pessoa que mede 1,30m. Esses lugares, em sua maioria, não foram feitos para ela. A ausência de sua figura nos revela, assim, de forma sutil, o mundo excludente em que vivemos. A montagem, que quebra com o padrão de altura dos manuais de exposição, obriga a maioria dos visitantes a abaixar a cabeça e os olhos, reforçando o exercício de perceber que há muitos pontos de vista e que quase sempre nos limitamos ao nosso como se fosse o único.

Independentemente de quem está atrás da câmera, toda fotografia é uma escolha que pressupõe um enquadramento por parte de quem faz o clique. Sempre que vemos fotografias, vemos algo que o outro quis nos mostrar. Em Meu ponto de vista, como o próprio título deixa claro, Mariane nos oferece seu olhar cotidiano. As imagens que compõem a exposição tem uma aparência propositadamente amadora, mas garantem, no espectador que estiver disposto, uma transformação por meio do sensível.

Há uma frase do poeta vietnamita-norte-americano Ocean Vuong, que gosto muito, que diz: “Em um mundo infinito como o nosso, o olhar é um ato singular: olhar para algo é preencher toda a minha vida com aquilo, ainda que brevemente.”

Mariane nos preenche para que não olhemos mais com indiferença.  

Outono, 2022

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